segunda-feira, 26 de maio de 2014

Dia da toalha



[Tecnicamente, estamos na segunda feira de manhã. Mas o sol não nasceu ainda, e eu não fui dormir ainda, então ainda é domingo, ainda é dia da toalha e ainda estou escrevendo no dia certo.

O fato de pessoas estarem saindo pro trabalho (eu acabei de ouvir o fretado que vem buscar meu vizinho pro trampo) não significa nada porque o turno é meu. ]
  
Eu não me lembro a idade exata. Mas minha mãe chegou em casa com o material de estudo de um curso que ela estava fazendo. Um curso fodão que motivou ela a ir estudar arte educação, e que de certa forma me influenciou nisso, mas naquele momento, o ponto é que eu li isso aqui pela primeira vez:





a toalha é um dos objetos mais úteis para um mochileiro interestelar. Em parte devido a seu valor prático: você pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode deitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmórea de Santragino V, respirando os inebriantes vapores marítimos; você pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kakrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada as águas lentas e pesadas do rio Moth; pode umedecê-la e utilizá-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (um animal estonteantemente burro, que acha que, se você não pode vê-lo, ele também não pode ver você -estúpido feito uma anta, mas muito, muito voraz); você pode agitar a toalha em situações de emergência para pedir socorro; e naturalmente pode usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoavelmente limpa.
Porém o mais importante é o imenso valor psicológico da toalha. Por algum motivo, quando um estrito (isto é, um não-mochileiro) descobre que um mochileiro tem uma toalha, ele automaticamente conclui que ele tem também escova de dentes, esponja, sabonete, lata de biscoitos, garrafinha de aguardente, bússola, mapa, barbante, repelente, capa de chuva, traje espacial, etc, etc. Além disso, o estrito terá prazer em emprestar ao mochileiro qualquer um desses objetos, ou muitos outros, que o mochileiro por acaso tenha “acidentalmente perdido”. O que o estrito vai pensar é que, se um sujeito é capaz de rodar por toda a Galáxia, acampar, pedir carona, lutar contra terríveis obstáculos, dar a volta por cima e ainda assim saber onde está sua toalha, esse sujeito claramente merece respeito.

E foi assim que eu passei a andar com uma toalha na mochila o tempo todo. Porque nunca se sabe, né.


Eu não sei porque exatamente a minha tia avó achou que aquela toalha vermelho cereja deveria me pertencer. Mas foi uma combinação perfeita e por uns bons muitos anos ela passou a me fazer companhia, e provou que o Douglas Adams estava certo quando escreveu essa parte do livro. Na vida maluca que eu levei nos anos finais da minha adolescência, muitas vezes me senti em uma aventura escrita por um comediante anglo meio maluco, e a diacha da toalha resolveu todo tipo de perrengue. A pequena vermelha, e a grande, porque tem situações que exigem uma abordagem mais ampla, colorida pela imagem de um sol e uma lua, perdida em Paranapiacaba depois de um dos dias mais perfeitos que vivi.

Esse ano, quando fui procurar uma toalha para a tradicional foto anual, poft, a toalha que foi minha companheira de mochila por anos estava ali. Então teve um gostinho de nostalgia tirar essas fotos, porque é um pedaço da minha história como pessoa.

Acima de tudo, ler aquilo me mostrou uma forma que nunca tinha me passado pela mente de ficção científica. Uma que me fazia rir. Que trazia uma ironia e uma comédia que eu só tinha sentido até então em Monty Python. Imaginem a minha cara quando eu descobri que ele escrevia pro Flying Circus, me senti a pessoa mais esperta da Terra por perceber a relação das duas coisas... mas todo mundo é meio bestão quando adolescente. Acho que todo adolescente deveria ler O Guia do Mochileiro da Galáxia, porque é o tipo de livro que te coloca as minhocas certas na cabeça, e ao mesmo tempo é tão nonsense que te faz sentir aquela partícula de vida intensa que a gente precisa. É um dos livros que eu amo reler, e a cada vez encontro um novo livro dentro da mesma história.


Ler Douglas Adams foi importante para mim porque me faz lembrar que ainda existe espaço para a leveza; para o riso e para o sarro, e para falar de coisas importantes e difíceis de um jeito que não seja sacal. Que existem narrativas que tem a natureza de serem transmidiáticas. E que as vezes, aleatoriedade não é ruim.


um típico exemplar da espécie

O Dia da Toalha também é o Dia do Orgulho Nerd e eu tenho umas opiniões sobre o assunto. Mas sobre isso eu vou escrever outro dia. Porque eu preciso publicar isso aqui antes do sol nascer. =)



Feliz Dia da Toalha a todos, e não se esqueçam: 42!









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