segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Uma carta para o Arauto do Caos: A compra da Mojang pela Microsoft

Oi filho.

Isso aqui é uma carta aberta. Quer dizer que eu estou escrevendo para você, mas também estou escrevendo para postar no meu blog e explicar para outras pessoas aquilo que eu penso sobre isso. Sei que você passou a tarde jogando, e não vendo seus canais do YouTube e as notícias de games, e quero estar pronta para responder suas perguntas quando elas chegarem. Quando você ler que a Microsoft comprou a Mojang por mais de 2 bilhões de dólares. Por isso eu escrevo.

Minecraft entrou na nossa vida uns três anos atrás, né. O que eu me lembro mais é de perguntar o que você queria ganhar no Dia das Crianças, e você responder: uma licença do Minecraft. Lembro de você me explicar sobre a importância de ter o jogo oficial e não uma cópia pirata porque a Mojang era um pequena empresa na Suécia e não uma das gigantes dos games, e que por isso a coisa certa a fazer era pagar pelo jogo.

Eu me senti muito orgulhosa de você naquele dia. Porque mesmo a maioria dos adultos não tem muito claro na mente a diferença entre uma empresa gigante e as pequenas produtoras de games. Mas você compartilha meu amor por games indies, e entende que existe um universo enorme de formas diferentes de se fazer e jogar games. E por causa disso, eu quis jogar Minecraft. E me apaixonei pelo jogo, assim como você.

E agora, essa empresa que te fez descobrir esse mundo foi vendida para uma das "majors", uma das grandes companhias não só de jogos, mas os caras que fazem o Windows e tudo isso. E você já deve ter percebido que para a maioria das pessoas, falar Microsoft significa falar "os caras maus".

Particularmente, a mamãe não vê as coisas tão preto e branco. Na verdade, a mamãe tem mais contra a Apple hoje em dia do que contra a Microsoft, por muitos motivos que não vem ao caso. Todas as grandes empresas tem atitudes complicadas, e nem sempre fazem as melhores escolhas para os usuários. Acima de tudo, empresas são feitas por pessoas: elas tem como objetivo conseguir lucro, ganhar dinheiro, e existem muitos jeitos de fazer isso. Algumas pessoas são mais éticas. Outras, fazem coisas questionáveis, erradas, algumas até fazem coisas ilegais - ou pelo menos imorais. Sabe quando você reclama sobre as propagandas, sobre como propagandas te incomodam? As empresas usam as propagandas para vender ideias, conceitos, sentimentos, que associam aos produtos. Quando fazem a propaganda de um brinquedo, não estão vendendo só o brinquedo. Estão vendendo a ideia de "diversão", de "poder", de "alegria". Quando fazem a propaganda de um computador ou console, celular ou tablet, estão vendendo a ideia de que "olha, pessoas com a personalidade mais legal são as que compram esse produto" - e você sabe que isso não é verdade.

O que a Microsoft está comprando não é só a Mojang: é a influência da Mojang sobre milhares de crianças que como você, mergulharam no mundo dos games a partir da experiência com Minecraft. Eles querem poder influenciar vocês, os jogos que vão pedir para comprar enquanto ainda dependem dos pais para comprar jogos, e mais para frente, quando tiver seu próprio dinheiro e comprar seus próprios jogos, influenciar também o que vocês vão comprar. Sim, eles também querem comprar a opinião dos adultos que jogam Minecraft. Mas para as empresas, comprar a opinião de um adulto é mais difícil. As crianças e os adolescentes ainda estão conhecendo o mundo, mudam de opinião mais fácil - a gente já conversou sobre isso, sobre o impacto das propagandas. Foi assim que a mamãe começou a fumar, por exemplo. Foi assim que por muito tempo a mamãe achava que de todos os gibis do mundo, só os da Marvel eram legais. Porque eu era adolescente e todas aquelas propagandas me influenciaram. Óbvio que crianças e adolescente tem opinião: as propagandas me diziam que video-game e quadrinhos e espadas eram coisas só de menino, e eu nunca aceitei isso, eu sempre soube que isso era mentira. Assim como você fica irritado com as propagandas. Mas muita coisa ainda gruda na nossa cabeça, até sem a gente perceber, e é isso que eles querem comprar.

Só que existe uma coisa que nenhuma empresa vai poder comprar: a sua história pessoal com Minecraft. O significado que o jogo tem para você e só para você, como pessoa única que é. A Microsoft pode ser dona da Mojang, mas não pode ser dona do que você aprendeu com Minecraft: não só os conhecimentos (que são muitos), mas a forma de pensar que você aprendeu.

Sua lista de jogos no Steam ainda vai ter mais jogos de pequenos desenvolvedores do que de grandes empresas, assim como a minha. Você entendeu que existem muitas formas de esperiência com os games: no computador, no nintendo, no playstation, no x-box, nos portáteis ou no tablet, e que elas são formas diferentes, nem melhores, nem piores.

Você vai continuar achando a jogabilidade, a diversão e a história de um jogo mais importantes do que os gráficos. Vai continuar usando os jogos para exercitar sua imaginação, buscando jogos onde customização tenha espaço, onde possa criar suas próprias fases, onde existam mods divertidos. Vai continuar buscando jogos sand-box.  

Claro que essa é uma mudança um pouco assustadora: não dá para saber o que uma empresa grande vai fazer com o jogo que a gente ama tanto. Mas eu tenho um palpite: pelo menos por enquanto, não vai mudar nada, exatamente porque eles querem conquistar os jogadores, querem que eles gostem e confiem na Microsoft, e não é mudando tudo do dia para a noite que vão conseguir. Depois, mudanças virão, talvez.

Mas lembra quando você começou a estudar sobre Street Fighter? Lembra de como Street Fighter mudou com o passar do tempo? Não só o visual, ou a jogabilidade, mas como novas coisas foram sendo criadas, como as histórias foram se expandindo, como o mundo do jogo foi ficando maior?

O Minecraft que a gente joga hoje não é o que a gente jogava três anos atrás. Não estamos discutindo apaixonadamente tudo de novo da atualização 1.8? Reaprendendo certas coisas, aproveitando as novidades? Ainda não reaprendi a lidar com o novo jeito dos mapas e acho melhor o jeito antigo. Mas ao mesmo tempo, tem muitas coisas legais. A gente sempre vai ter versões diferentes de jogos, algumas vezes vamos gostar, outras não. Mas é assim que as coisas acontecem. Jogos vivem em constante evolução. Quando você for mais velho e puder jogar Shadowrun, eu vou te mostrar isso direitinho, porque ele é um ótimo exemplo. 

E é importante lembrar outra coisa: o Notch não vendeu a Mojang só por causa do dinheiro. Minecraft ficou muito grande. Muita gente joga. Você se lembra de todas as nossas conversas sobre porque você não pode jogar jogos multiplayer online? Porque a gente não tem como saber quem são as pessoas ali, e nem todas as pessoas são legais? Nem todo jogador de Minecraft é como você, que admira o Notch e os outros criadores do jogo e entende que eles são pessoas e tem a vida deles. Algumas pessoas esquecem disso, e falam coisas duras e ruins. Coisas que incomodam e machucam. E isso tem deixado o Notch muito chateado. Ele quer fazer outras coisas, coisas menores, diferentes. É chato ficar fazendo a mesma coisa para sempre: Minecraft é legal, mas você não ia querer jogar só ele, e nunca mais nenhum outro jogo, né?

A mesma coisa é para os fundadores da Mojang. Eles querem fazer outras coisas, experimentar coisas diferentes, sem ter a internet inteira cuidando da vida deles, falando coisas inconvenientes. Por esse lado, vai ser muito bom ter esses caras de novo programando jogos que eles estão com vontade de fazer, sem ter que se preocupar com Minecraft, que tem outras pessoas cuidando dele. E em uma empresa pequena, como você já percebeu, é que surgem as coisas mais inovadoras e as ideias mais malucas, e com o tamanho que o Minecraft tomou, estava cada vez mais difícil para eles se dedicarem a criar coisas novas e diferentes. Para eles, é melhor deixar essa fase da vida para lá, e começar coisas novas, e a gente também precisa ter essa empatia: o que é melhor para eles, que criaram o jogo, mesmo que não seja o melhor para quem joga, precisa estar na nossa mente.


Então, é isso. É assustador? Com certeza. As empresas grandes fazem coisas ruins e questionáveis? Fazem, sim, mas também fazem Little Big Planet, que você adora. Então, não precisa ficar chateado com isso. Talvez alguns dos youtubbers que você gosta não gostem dessas mudanças. Mas você também já ouviu a mãmae e o papai terem opiniões diferentes sobre um mesmo jogo ou console, não viu? Quando a DC lançou os Novos 52 e mudou todo o universo dos quadrinhos dela, a mamãe ficou bem brava, e todo mundo me ouviu reclamar. Mas algumas histórias me surpreenderam por serem bem legais e hoje em dia os desenhos animados de heróis que mais gosto são da DC. O pessoal que você assiste e lê também vão passar pela mesma coisa. E ao mesmo tempo, do mesmo jeito que a gente não precisa se deixar influenciar pelas propagandas, não precisamos concordar com tudo que lemos e assistimos só porque gostamos de outras coisas que essas pessoas gravaram ou escreveram. As vezes, uma pessoa pode dizer algo muito legal em um dia, e ser um completo babaca em outro. E ok, a gente vai encontrar sempre novas pessoas para ler e assistir e eu tenho certeza que logo você também vai estar postando sua opinião por ai.



Acima de tudo, vou estar aqui para te explicar o que for preciso. E sempre, sempre, nossa história é só nossa, e nenhuma empresa, grande ou pequena, vai ser dona daquilo que sentimos e fazemos com o que experimentamos nos jogos. Isso você pode ter certeza: a sua experiência com um jogo, com um livro ou uma história em quadrinho, ou com um filme, ou desenho, é só sua e ninguém jamais vai tirar isso de você.


Um beijo, com amor,


Mamãe.